quarta-feira, julho 24, 2002
A comoção generalizada
Memorável concerto dos Radiohead no Coliseu dos Recreios, à altura das expectativas mais exigentes
Cristiano Pereira
Jornal de Notícias, 24 Julho 2002
Eis a evidência que já se previa: os Radiohead não são uma banda qualquer. E eis a veracidade da luz dos factos: o primeiro dos cinco concertos esgotados dos Radiohead em Portugal parece ter correspondido às exigentes expectativas dos três mil e tal fãs que lotaram o Coliseu dos Recreios na noite da passada segunda-feira (actuam ainda hoje e amanhã no mesmo recinto e sexta e sábado no Coliseu do Porto).
O espectáculo, com direito a um intervalo de 15 minutos, foi divido em duas partes. Na primeira, a banda de Oxford apresentou oito temas novos ainda não editados e por sinal totalmente desconhecidos do público. E nem o facto de serem peças estranhas à audiêncialhes retirou qualquer ponta de deslumbre: entre picos de electricidade e teclados mais arrastados, faixas como «We suck young blood» ou «Stranger Enough» deverão constar num próximo disco a editar num futuro breve. Olhos postos no palco, Thom Yorke lembra amiú
de o falecido Ian Curtis: a dança é convulsiva, o tronco sacode-se em sismos carnais, os braços desferem golpes oblíquos e socos no ar.
Após o intervalo, a rendição foi ainda maior. De «I might be wrong» a «Morning Bell» ou «Karma Police», Thom Yorke e companhia sugaram as energias de uma assistência que demonstrou um respeito nem sempre habitual nestas situações: durante as canções não se detectava o ruído de conversas paralelas e as bocas só se abriam por duas razões _ o espanto e o entusiasmo de entoar as letras. Quase sem tempo para respirar, seguiram-se, entre muitas outras, «Airbag», «Paranoid Android», e, já no encore «Street Spirit» e «The Bends». O final deu-se com «How to disappear completely» perante a comoção generalizada da multidão de fãs.
Fogo
Luís Bento é um deles: este estudante de antropologia orgulha-se de ter já visto a banda de «OK Computer» em Bilbao e Barcelona. Dos cinco concertos que esta semana acontecem em Portugal, Luís Bento verá quatro, um luxo que lhe custou 80 euros só em bilhetes: «Não acho assim tão caro se comparar com aquilo que já paguei pelos Smashing Pumpkins», sustenta. Este jovem de Lisboa parece ser um daqueles fãs que nutre uma paixão desmesurada pela banda. Tem os discos todos, mais «uns 15 concertos sacados da Internet» mas é
firme na certeza: «O melhor disco ao vivo é o oficial». E parece saber tudo: com um pouco de jeito até sabe quantos cabelos tem o Thom Yorke. Só não sabe qual é a obra prima dos Radiohead: «Estou indeciso entre o Bends e o OK Computer». Momentos após o concerto, o futuro antropólogo ainda parecia estar desnorteado. O bolso escondia o mini-disc com que gravou o concerto, assegurando ao JN: «Amanhã este concerto já vai circular na Internet». Visivelmente satisfeito com as novas canções da banda, este jovem, corpo esguio embrulhado numa t-shirt da banda, salientou que um dos predicados que mais preza na formação de «Kid A» reside «na capacidade de improviso que se nota de concerto para concerto» e no facto de «as músicas ao vivo não serem iguais às versões dos discos». E quando confrontado com a ingrata tarefa de resumir o concerto numa só palavra, Luís Bento ergue os olhos, reflecte durante breves segundos e dispara a sua visão: «Incendiário».
salamandrine 13:48
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